Ponto de Inflexão
A tradicional Encyclopaedia Brittanica, impressa desde 1768 sem interrupções, capitula: vai continuar enciclopédica e respeitada, mas só no formato digital.
Esse marco encerra discussões acadêmicas sobre o sério (impresso) versus o fútil (na internet, Wikipedia). Vale a pena ver o video onde a capitulação é explicada no YouTube.
Eu tenho em casa uma edição comemorativa do bicentenário da enciclopédia (1968), com 25 volumes. Junto com a coleção, veio uma reprodução da primeira edição (1768), com apenas três tomos.
A edição de 2012 fecha o ciclo da derrubada de árvores com 32 volumes.
Mas o fim da Brittanica no papel tem outras explicações, que por vezes podem passar desapercebidas.
Em primeiro lugar, a impossibilidade de manter atualizado um conteudo impresso a cada dois anos com a velocidade da evolução do conhecimento humando em tempos de internet.
Devemos considerar também o fim do monopólio da verdade. Se na era da Revolução Industrial -quando a enciclopédia surgiu- o grosso da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura eram irradiadas ou influeinciadas pelo império onde o sol não se punha, hoje em dia a colaboração global parece desenhar o novo conhecimento.
As causas ecológicas são levantadas, mas a quantidade de papel usada para todos os exemplares vendidos em um ano é muito menor do que a usada por qualquer um dos 100 maiores jornais diários que circulam no mundo.
A mais prosaica de todas talvez seja a dificuldade de guardar e usar em casa os 32 volumes. As estantes estão cada vez menores, mais estreitas, e o acesso aos verbetes é algo incômodo, quando comparado à versão digital.
Assinaturas digitais da Brittanica para o computador já existem há algum tempo, e as apps para tablets estão disponíveis. Os preços, muito mais camaradas do que os US$ 1.400 da última edição em papel. A versão online vale US$70/ano e as apps custam entre US$ 1,99 e US$ 4,99 por mês.
O modelo de negócios estava esgotado. Comparando esse preço com o de 44 anos atrás, a redução foi enorme. Lembro-me que o valor que investi foi parecido com o que paguei por um fusquinha zero.
Hoje, procuro quem queira receber de graça a coleção de 1968. Mas isso não é relevante.
O importante aqui é a inflexão de um modelo. Daqui em diante, o mundo digital fica com a exclusividade do conteudo do talvez mais tradicional veículo de registro do conhecimento humano.
Tecnologia Digital e o Significado das Palavras
Para refletir sobre a evolução da tecnologia digital, vamos trabalhar com oito palavras que há poucos anos tinham significado principal radicalmente diferente do que temos em 2010.
Acompanhe comigo:
Arquivo: antigamente, ou uma pasta cheia de papel ou muitas pastas dentro de um armário de madeira ou metal. Muito infectado por cupins. Mais recentemente, informações estruturadas armazenadas em cartões perfurados, fitas magnéticas, disquetes de vários tamanhos e mesmo em CDs, DVDs e discos magnéticos, infectados por vírus eletrônicos. Hoje a maioria dos arquivos está guardada na nuvem (vide verbete), como suas mensagens do GMail, do Yahoo ou do MSN.
Enciclopédia: Em 1768 foi lançada a Enciclopædia Britannica, com inusitados três volumes. Duzentos anos depois, a Britannica tinha 25 volumes, isso no rebelde ano de 1968. Hoje, enciclopédia é a Wikipedia, que, na sua versão em inglês tem incríveis 3.319.499 artigos publicados (e crescendo a cada minuto), sem contar suas outras 31 edições em diferentes línguas, inclusive o Esperanto.
Correio: No meu tempo de jovem, Correio era algo para você inventar uma desculpa de não haver recebido uma carta, a “Culpa do Correio” era subjetivamente aceita como verdade ou faz-de-conta. Nos anos 80, começou o “Correio Eletrônico”, que já criou mais de 100 bilhões de contas, ou seja, quase 20 contas ativas para cada ser humano, alfabetizado ou não, conectado ou não. Mesmo o Correio Eletrônico sai da moda, dando lugar às mensagens instantâneas e ao bate-papo digital, ou “Chat”.
Computador: Em 1943, o presidente da IBM, ao anunciar o primeiro computador produzido pela empresa, declarou que o mundo não teria mercado para mais de cinco computadores. Hoje, contando computador de mesa, laptop, smartphone e outras bugigangas, mais de 200 milhões de domicílios contam com cinco ou mais desses dispositivos digitais. E um carro de 2010, razoavelmente moderno e equipado tem mais poder computacional que as naves do projeto Apollo, que levaram o homem à Lua, 41 anos atrás.
Telefone: Quando D. Pedro II viu pela primeira vez um telefone funcionando na Feira de Nova Iorque de 1876, disse “Meu Deus, isso fala!”, e trouxe a novidade para o Brasil. Pois o tal do telefone levou mais de 100 anos aqui para aprender a falar, passando antes pela fase de bem de capital cotado em dólar, que os mais afortunados alugavam aos mais necessitados a 3% ao mês e declaravam ao imposto de renda. Hoje temos mais celulares ativos do que brasileiros, e, passada a fase da voz, o tráfego de dados já supera o falatório.
Mala Direta: Quando o Correio deixou de servir de desculpa às pessoas, os marketeiros sacaram a idéia de mandar propaganda impressa direto aos domicílios. Hoje essa prática ainda é forte, mas, no mundo digital, virou o tal de “spam”, ou mensagem espalhada aos trilhões nas caixas de e-mail do planeta. Em breve, os marketeiros descobrirão o valor da imagem de uma empresa que não incomoda seu cliente, mas que, quando ele precisa, vai dar as informações que ele quer. Será a “onda verde” na qualidade da informação.
Rede: Nos bons tempos, um artefato de tecido ou corda, usado para ser pendurado entre dois pontos e servindo para o balanço reconfortante de seus usuários. Depois da internet, tudo é “rede”. Mas, dessa rede global, não há escapatória: Ou você está lá, ou provavelmente já morreu, sempre por fora do que está se passando no mundo.
Nuvem: No céu curitibano, é coisa que dificilmente deixa de aparecer, e aqui é quase sempre molhada. No mundo digital, significa um lugar indefinido, para você, onde estão armazenados seus dados e seus aplicativos, como, por exemplo, seus e-mails, fotos do Picasa, vídeos do YouTube. Estão na nuvem, mas quando você precisa, eles aparecem. Uma tendência para todos os aplicativos que hoje travam e dão problemas em sua casa ou escritório.
Numa próxima revisãode conceitos, dentro de alguns anos, essas definições de hoje poderão parecer defasadas, antiquadas. Não se assuste! Busque apenas se manter minimamente antenado, pois o impacto no seu dia-a-dia pessoal e profissional seguirá mudando rapidamente.
Ou seja, quando o assunto é tecnologia digital, a única coisa que não muda rapidamente é a própria mudança…