Vai viajar? Cuidado com seus planos!
Que seu celular pode estar grampeado por agências de inteligência e que suas conversas pelas redes sociais também, você já sabia, ainda mais depois das revelações do ex-NSA Edward Snowden, hoje asilado na Rússia.
A figura ao lado mostra um slide de uma apresentação da NSA sobre os tópicos que estavam sendo monitorados.
Mas nesta segunda, 27, o jornal New York Times revela que a coisa é mais abrangente do que podemos imaginar, e pode até causar problemas em sua próxima viagem. Como?
Você vem planejando com seus amigos aquela viagem de férias, mesmo com o dólar caro. Economizou uma grana, avaliou alternativas, buscou melhores preços e itinerários através de sites de viagem. E fez esse roteiro via Google Maps. Claro que você também usou seu smartphone e seu tablet para chats com os amigos e também pegou dicas com outras pessoas, conhecidas ou não, que já estiveram nesses lugares. É mais ou menos assim?
Pois saiba que a NSA e sua contraparte britânica armazenam tudo isso também nos seus supercomputadores. Aproveitando que os apps e os sites mais usados armazenam muitos de seus dados pessoais, os espiões verificam possíveis conexões suas que estejam enquadradas no perfil de um terrorista, ou até mesmo passando suas navegações nos algoritmos de identificação de suspeitos, e, sem querer, você pode ficar na mira.
Mas não é só isso. Enquanto você planeja a viagem, seus filhos ficam entretidos com os Angry Birds, em qualquer de seus apps famosos mundo afora. Até ali os dados de uso estão sendo monitorados.
Como reporta o Times, “a cada nova geração de tecnologia de telefonia celular, mais e mais dados pessoais são despejados através das redes onde os espiões podem capturá-los.
Dentre essas ferramentas de inteligência estão os aplicativos com ‘vazamentos’ que abrem tudo, desde códigos de identificação dos usuários de smartphones até os lugares onde eles estiveram naquele dia.”
Um leitor da Califórnia define bem o que acontece. Diz ele: “Os smartphones de hoje nada mais são do que dispositivos de rastreamento bem embalados que o usuário com orgulho e ingenuamente exibe por onde passa“.
Angela Merkel também não gostou…
E a novela das arapongagens de agentes americanos sobre empresas e governos mundo afora parece não ter fim. Nem bem o presidente Obama terminou suas desculpas ao seu homólogo francês, François Hollande, e o Der Spiegel alemão revela que também Frau Angela Merkel teve suas comunicações devassadas.
Questionados, o Conselho de Segurança Nacional americano e a Casa Branca disseram mais ou menos o seguinte: “O Presidente assegurou à Chanceler que os Estados Unidos não estão monitorando e nem monitorarão as comunicações da Chanceler Merkel”.
Faltou o tempo do verbo no passado, o não monitorou, mesma linha de posicionamento após as várias revelações sobre fatos semelhantes ocorridos em outros países, Brasil em destaque na lista.
O que parece é que cada redação de jornal importante no mundo tem guardado um “Dossiê Snowden“, pronto para publicar.
Hoje também surgiu a notícia de que Jofi Joseph, funcionário de Segurança Nacional na Casa Branca foi demitido por tuitar segredos e inconveniências usando o perfil falso @natsecwonk, desde fevereiro de 2011. Joseph era diretor da Seção de Não-Proliferação do Staff de Segurança Nacional na Casa Branca. Além de vazar informações sensíveis, ele tuitou também mensagens difamando pessoas que não eram de seu agrado.
Ou seja, talvez seu trabalho tenha ajudado a impedir a proliferação de armas nucleares no Irã ou armas químicas na Síria, mas seu veneno proliferou por quase três anos, e seu perfil era extremamente popular entre pessoas de destaque no mundo político da capital americana.
O tema desses monitoramentos já está datado. Mais um pouco, algum presidente ou primeiro ministro de um país meio fora do eixo principal da geo-política mundial vai se queixar ao presidente Obama por não ter sido aquinhoado com uma arapongagem, logo ele que fala tanta coisa importante…
E a discussão se arrastará inconclusa por milhares de fóruns formais e informais, livros ganharão leitores, teses acadêmicas abordarão o assunto sob as mais diversas óticas.
Mas, no fundo, no fundo, como cada Estado organizado tem seus serviços de inteligência estruturados, parece que o maior pecado aqui teria sido o da blindagem mal feita dos espiões americanos. Os de outros países ficarão dando risadas. Até serem apanhados.
Essa internet…
Solidão e privacidade
O poeta e compositor Antônio Maria, autor de muitas músicas de fossa, definia que “só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta“. Isso nos anos 1960, quando o telefone era peça rara nos domicílios de cidades grandes, o rádio e o jornal os grandes veículos de comunicação e a TV engatinhava.
Nos tempos de Antônio Maria, nada internet, smartphone, rede social. Carta, só via correio, sem essa de email; mensagem instantânea era telegrama, que dependia de coleta e entrega via portador.
Embora, nos dias que correm, aumente rapidamente o número de domicílios com um só morador, a maioria dessas pessoas não sofre de solidão e está conectada digitalmente a outras pessoas. Sua vizinhança é o mundo, não mais o prédio, a quadra, o bairro.
É claro que existe solidão para muitos dos mais de 1 bilhão de pessoas que estão no Facebook. E essas pessoas podem ter sua vida contada e recontada através do Twitter e do YouTube, queiram ou não.
A vantagem da solidão, pregada por Antonio Maria, deixa de existir, ou, ao menos, de ser tão absoluta, como ele imaginava. Basta perguntar a Scartlett Johannson. que se autofotografou nua com seu smartphone, apenas para ter as imagens viralizadas na internet.
Proposital ou acidental? Pouco importa, pois existem essas e outras formas de termos nossa privacidade compartilhada. A mais badalada atualmente, vem das artes de agências de espionagem americanas, bisbilhoteiras no atacado. E isso ainda será fartamente debatido, e, provavelmente, outras arapongagens de outros governos serão reveladas, e nós, cada vez mais conectados, cada vez mais expostos.
No mundo de hoje, existem mais de 3 bilhões de câmeras instaladas em dispositivos móveis. Não tenho a contagem de câmeras de monitoramento, mas Londres, há 4 anos atrás, já tinha mais câmeras capturando imagens do que gente vivendo por lá.
Hoje em dia, devemos agradecer os poucos locais e momentos que temos privacidade plena, que não precisa vir acompanhada da solidão do poeta.
Precisamos, nessas horas, tomar o cuidado de desligar todas as câmeras de fotos e videos, os gravadores de som, os smartphones, tablets e notebooks. Será possível?
Mais uma contra a nossa privacidade
Que bom que a ministra Carmen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral -TSE- mandou cancelar o Acordo de Cooperação que a corte firmou com a empresa Serasa-Experian, para fornecer a esta dados dos 141 milhões de eleitores brasileiros. Seus dados, meus dados, nossos dados, que somos compulsoriamente forçados a colocar à disposição, por ser o voto obrigatório no Brasil.
Estranho, muito estranho, que o TSE tenha firmado um convênio dessa natureza com uma empresa que vive da venda de informações sobre a capacidade e idoneidade de crédito de pessoas físicas e jurídicas. Mais estranho ainda é que esse convênio não passou pelo plenário do Tribunal, nem mesmo por algum de seus membros para validação.
Não faz muito tempo ficamos boquiabertos com a arapongagem da NSA americana, ao interceptar dados de ligações telefônicas e conteúdos da internet de bilhões de pessoas, brasileiros inclusos. Isso gerou repulsa da sociedade e o Brasil representou na ONU contra essa atitude do governo Barack Obama.
Com que argumentos agora poderá o poder público -no caso, o Judiciário- explicar esse convênio?
Que medidas serão tomadas para evitar a repetição dessas traquinagens no futuro?
O que garante que não existam convênios semelhantes com outros órgãos públicos que detêm dados dos cidadãos brasileiros?
Felizmente temos uma imprensa livre e vigilante, com radares sensíveis, capazes de levantar a lebre, como fez o jornal O Estado de São Paulo.
Mas o assunto da privacidade do cidadão, nesse mundo conectado, voltou à tona, e de um modo que surpreende a maioria. A Justiça Eleitoral brasileira é respeitada mundo afora, e seria um dos últimos bastiões da guarda dos valores essenciais da democracia e da liberdade do cidadão.
Logo ela dá esse mau exemplo? O que se espera agora, no mínimo, além do cancelamento do acordo, é uma explicação clara e transparente dos motivos que levaram à celebração desse convênio e que mecanismos serão adotados pelo TSE para evitar que o sigilo dos dados dos milhões de eleitores brasileiros seja novamente ameaçado.
Quem quiser ver o Acordo, aqui está ele: Acordo de Cooperação Técnica TSE nº 07_2013 – TSE e Serasa.
O buraco da fechadura
Esse tal de Edward Snowden, que vazou o esquema de monitoramento de ligações telefônicas e de navegações pela internet de meio mundo (o outro meio está desconectado), gerou desconforto não só nas autoridades americanas com suas agências de arapongagem. Tirou de todos nós a sensação de liberdade com privacidade para a ressaca da realidade: estamos sendo vigiados. E, ao que tudo indica, não só pelos americanos.
As reações das autoridades de outros países beira o patético, ameaçando retaliações com armas absolutamente ineficazes, que pouco podem ir além de protestos junto a organismos internacionais. As mobilizações da população, para darem certo, precisam, ironicamente, da internet, para levar o povo às ruas. Ou seja, até os meios de mobilização contra a arapongagem estão sendo arapongados… Sem chance, por aí!
Outro jeito é usar leis locais para tentar enquadrar um fenômeno global. Não dá certo! Acordos regionais? Nem pensar, quando blocos como Mercosul e União Européia se debatem em problemas fundamentais e apresentam como contraponto saldos positivos de difícil mensuração.
Mas, como toda crise institucional, essa da grampolândia global vai encontrar uma solução que seja aceitável, ou ao menos passível de convivência. Ainda é cedo para antecipar qual será esse caminho.
Minha preocupação é que prosperem iniciativas de fechamento locais, como já vimos no passado com a reserva de mercado da informática. Se aquela representou atraso com alto custo para a sociedade e poucos benefícios de longo prazo, as de agora, como reação ao flagra dos espiões olhando a todos nós podem ser catastróficas! Não é mais possível definir fronteiras de comunicação por país ou por bloco. Os que tentam, ou até conseguem, estão na vanguarda do atraso: Coréia do Norte, Cuba, Irã e outros países de economias e sistemas políticos fechados.
Antigamente, espionagem era feita pelas frestas de portas ou pelos buracos de fechadura. Ocorre que, em 2013, fechaduras não têm mais buracos e as frestas de porta são pequenas demais, para bisbilhotar segredos alheios.
Solução? Negociar com firmeza, agora que os americanos estão tentando explicar o inexplicável, para redefinir acordos e legislações globais em linha com a realidade da rede. Quem detém controle sobre os nós da rede também não pode deixar de enxergar a realidade global. Negociar é preciso, para todos!